Por Marcelo Weick para o Estadão
O diálogo institucional construído pelo TSE e pelo Senado Federal com a participação de entidades da sociedade civil, a exemplo da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP foi capaz de construir um consenso que autorizou a aprovação, em dois turnos, do Projeto de Emenda Constitucional que propõe o adiamento em 42 dias do primeiro turno das eleições municipais (de 04 de outubro para 15 de novembro de 2020), atendendo recomendações de cientistas das áreas sanitária, médica e epidemiológica.
E por que esse adiamento? Porque é importante, dentre outros argumentos, que a Justiça Eleitoral, os partidos políticos, os candidatos e os eleitores tenham um tempo maior para se prepararem para este novo normal democrático. Postergar por um pequeno período o início das eleições é garantir o exercício do direito do voto ainda em 2020, adaptando a rotina do processo eleitoral aos novos padrões sanitários. É direito do cidadão escolher seus prefeitos e vereadores que irão nos liderar a partir de 2021.
E por que o Congresso Nacional não pode presentear aos prefeitos e vereadores com mais tempo (prazo) para seus mandatos? Simplesmente porque esse direito é conferido ao POVO e não ao Congresso Nacional. A Constituição Federal nos garante o direito de escolher os prefeitos e vereadores para um mandato de quatro anos, nem um dia a mais. Deixar que políticos decidam por nós é admitir a usurpação uma prerrogativa exclusiva dos eleitores e, desse modo, constituir-se-ia um ato flagrantemente antidemocrático e inconstitucional.
Assim, se é sensato e lúcido o adiamento para novembro, a fim de que, com criatividade e esforço conjunto, organizemos os protocolos sanitários para as atividades do processo eleitoral (assim como haveremos de fazer nas outras áreas), torna-se casuístico e oportunista usar a pandemia da covid-19 para justificar a perpetuação no poder para além dos 4 anos de mandato.
Se é inconstitucional a prorrogação de mandato, também é muito danoso para a democracia brasileira a tese da unificação das eleições.
A ABRADEP tem posição firme e contundente de que a realização da eleição geral e única para todos os cargos (quatro em quatro anos) traria uma série de prejuízos, dentre os quais se destacam:
(1) confusão das agendas políticas dos três níveis na mesma eleição;
(2) excessivo número de candidatos;
(3) incapacidade estrutural de se administrar uma eleição com tantos cargos em disputa ao mesmo tempo;
(4) atraso maior no julgamento dos registros e aumento do custo das eleições, com a necessidade de renovar, por exemplo, todo o estoque de urnas eletrônicas. E ainda,
(5) prejudica a educação cidadã ao fazer com que o eleitor seja convocado a ser pronunciar apenas de quatro em quatro anos;
(6) redução da possibilidade de oxigenação no poder, visto que, com a eleição intercalada como atualmente acontece, torna-se mais fácil para novas lideranças surgirem (renovação de quadros políticos) e até mesmo a maior mobilidade dos políticos pleitearem a migração para novos desafios administrativos e legislativos (para novos cargos), se bem avaliados pela população.
Assim como fez o Senado Federal, é preciso dar um voto de confiança à sensibilidade das autoridades que administram as eleições e aos cientistas que, de forma uníssona, recomendam este adiamento pontual das eleições para 15 de novembro de 2020.
A Câmara dos Deputados já demonstrou em muitos instantes da história brasileira maturidade e sabedoria para compreender a relevância do momento e as consequências e os ônus políticos de suas decisões. Inclusive de se evitar uma insegurança jurídica tamanha que possa vir a levar essa discussão para o âmbito do Poder Judiciário, em especial para o Supremo Tribunal Federal.
O momento exige, acima de tudo, muita serenidade, bom senso, convergência e espírito público. Sem oportunismo, sem posições que apenas privilegiem interesses pessoais em desfavor da democracia e da cidadania.